Efeitos do fluxo reverso e seus impactos para os sistemas fotovoltaicos
1.Introdução
Nos últimos meses, o fluxo reverso foi citado com muita recorrência devido as reprovações da CEMIG. Este fato gerou insatisfação e apreensão nas solicitações de parecer de acesso pelos integradores do setor fotovoltaico, a principal justificava das distribuidoras tem sido que a rede elétrica está incapacitada de receber energia injetada pelos novos sistemas fotovoltaicos (inversão de fluxo).
Em suas justificativas, a concessionaria se embasa na resolução normativa Art. 73 da REN 1000. Em suas disposições, diz que:
1º Caso a conexão nova ou o aumento de potência injetada de microgeração ou minigeração distribuída implique inversão do fluxo de potência no posto de transformação da distribuidora ou no disjuntor do alimentador, a distribuidora deve realizar estudos para identificar as opções viáveis que eliminem tal inversão...”
Sendo necessário para recusa, o cumprimento das exigências do Art. 73 da REN1000 por parte da concessionária.
Com isso, a concessionária está correta em seus argumentos? O que fazer para evitar a recusa do seu parecer, e também evitar ou mitigar o fluxo reverso?
Neste artigo você vai entender o que é a inversão de fluxo, como funciona na pratica e o que pode ser feito nessas situações.
2.O que é seria o fluxo reverso, e quais seus impactos?
Este fenômeno tem se tornado cada vez mais comum no atual cenário da geração distribuída, com maior destaque aos sistemas fotovoltaicos. Seu efeito ocorre devido à alta inserção de potência ativa na linha de transmissão (em horários que é observado um maior pico de irradiação/geração de energia nos sistemas FV), que são por coincidência os períodos de baixa demanda de consumo – atualmente entre o período de intervalo das 10h e 16h.
Este comportamento vem acarretando alguns impactos na topologia da rede de distribuição, afetando seus padrões de qualidade da energia. Dentre os impactos observados diariamente nos sistemas fotovoltaicos, o que mais se destaca é a flutuação de tensão, porém existem algumas outras interferências que podem ocorrer, como por exemplo: alteração no fator de potência, regulação de frequência e distorções harmônicas.
3.O que fazer para mitigar esses efeitos e evitar o fluxo reverso?
Um dos fatores possíveis para reduzir este efeito com intuito de prevenção, seria a utilização de um software por meio das concessionárias, com o objetivo de realizar a verificação dos impactos que podem ser causados em sua infraestrutura, utilizando componentes já presentes em sua rede e fazendo inserções de forma gradativa da geração distribuída em seus ramais de conexão. Na pratica, o que temos visto são concessionárias alegando inversão de fluxo, mas sem realizar os estudos de forma aprofundada e principalmente sem PROPOR SOLUÇÕES ALTERNATIVAS para a conexão, conforme exige a resolução normativa.
Atualmente, isto já é possível e visível em alguns softwares de código livre, um exemplo seria o OpenDss, que contém diversas redes disponíveis simulando grandes ou pequenos ramais de distribuição, tornando possível a realização da inserção e compensação da geração distribuída. Nessas
simulações é possível notar diferentes comportamentos no nível de tensão de acordo ao local onde é definido a conexão da geração distribuída. Outra solução possível seria o controle de injeção da potência ativa dos inversores fotovoltaicos, fazendo a compensação através do ajuste do fator de potência, ou a utilização de sistemas de armazenamento nesses horários, realizando a compensação em horário posterior com maior consumo. Uma última opção seria utilizar sistemas zero-grid sem injeção de energia na rede, atendendo ao consumo interno do local.
4. Como acontece a variação do perfil de tensão quando se tem uma alta injeção de potência ativa na rede na pratica.
Para fins de verificação, foi realizada uma simulação no software OpenDss considerando a rede de teste IEEE 13barras. Mesmo caracterizando um sistema pequeno, a rede IEEE13barras apresenta diversas configurações que permitem variadas análises em um sistema de distribuição e seus componentes. Este circuito opera em uma tensão de 4,16KV , ele é composto por trechos de linhas trifásicas aéreas e subterrâneas desbalanceadas, ramais bifásicos e monofásicos, dois bancos de capacitores shunts, um regulador de tensão na subestação, dois transformadores de distribuição e cargas desequilibradas.
As cargas de perfil residencial e comercial são conectadas em barras localizadas após o secundário do transformador abaixador (4.160/220V), conforme pode-se visualizar na tabela 1. As potências nominais dos bancos de capacitores, assim como as suas barras de conexão são apresentadas na tabela 2. O diagrama unifilar completo do sistema de distribuição pode ser observado na figura 1.
Na análise a seguir foi verificado o comportamento da rede sem inserção da geração distribuída, e com a inserção de 180% de injeção da potência ativa, considerando o consumo das cargas. Observando o perfil de tensão e consumo de potência ativa ao longo do dia em cada barra do sistema de distribuição simulado. Para tal, considerou-se um limite aceitável na variação da tensão nominal de ±5%, de acordo com que se recomenda no módulo 8 dos procedimentos de distribuição - PRODIST.
Um ponto importante a se observar, é a variação no perfil de tensão quando se tem uma injeção de potência ativa entre os horários das 10h às 16h nas barras de conexão, em algumas delas de maneira acentuada. Porque isso acontece?
Este comportamento pode ser justificado por meio da sua maior distância em relação ao transformador que alimenta a rede de distribuição. Um exemplo é que ao analisar no diagrama unifilar, percebemos que a barra 611 mostrada no gráfico de tensão da fase C está em uma posição mais afastada do regulador, fazendo com que tenha uma maior impedância, e no momento de uma alta inserção da geração distribuída mostre uma elevação da tensão.
Ao final do dia, é possível notar uma queda no perfil de tesão a partir das 17h. De acordo a curva típica de consumo residencial adotado, consideramos uma maior sobrecarga na demanda da rede entre os horários de 17 até 21 horas, este comportamento provoca uma significativa queda de tensão nas barras de conexão.
Em que momento é possível visualizar a inversão de fluxo?
A seguir podemos ver o comportamento da potência em situações com a inserção da geração distribuída, e sem a sua utilização, podendo ser visível o comportamento do fluxo reverso.
Nos gráficos comparativos de injeção de potência ativa, é evidente o comportamento do fluxo reverso nos horários em que se tem uma maior injeção de potência ativa na rede de distribuição. Nota-se claramente as diferenças dos gráficos com e sem a geração distribuída, refletindo nas curvas de potência das fases A, B e C, nos horários das 09h às 16h, sendo visível o que ocorre atualmente em alguns trechos da rede. Este efeito é uma das principais causas dos distúrbios que acontecem nos sistemas fotovoltaicos, considera-se o mais visto, a sobretensão.
5.Conclusão
A sobretensão decorrente da elevação causada pela inserção de geradores distribuídos nos sistemas de distribuição, impacta diretamente no funcionamento dos sistemas fotovoltaicos. Especificamente, na operação dos inversores utilizados, que em sua maior parte tem a sua produção interrompida quando os níveis de tensão ultrapassam os padrões estabelecidos. Em geral, isso acontece nos horários em que o sistema fotovoltaico apresenta uma maior injeção de potência ativa. Essa interrupção no funcionamento do inversor produz prejuízos financeiros aos consumidores/geradores, além de ser um argumento para recusa de pareceres de acesso sem embasamentos técnicos por parte da concessionária, com alegação de fluxo reverso.
Como soluções alternativas para evitar o fluxo reverso e consequentemente a sobretensão aos sistemas fotovoltaicos já instalados, temos o ajuste nos parâmetros de tensão do inversor (evidenciando sempre que é necessário seguir todas as novas leis vigentes), evitando atuação do equipamento por sobretensão. Essa intervenção é apenas um paliativo para minimizar os impactos trazidos pela forte inserção na conexão de GD fotovoltaico a rede de distribuição, porém, outra alternativa viável seria a regulação do fator de potência dos inversores, fazendo o uso da própria GD para correção do perfil de tensão através da injeção de reativos, bem como banco de baterias para armazenar o excesso de energia produzida, e a utilização de carregadores elétricos, com a carga e descarga de veículos, podendo ser utilizados como artifício no suprimento excessivo de potência ativa na rede.
Infelizmente este fato tem sido recorrente no dia a dia dos nossos parceiros integradores, nós aconselhamos que o problema seja solucionado através da abertura de reclamações com a concessionária ou em último caso em situações de reprovações de pareceres de acesso, contatar a ouvidoria da Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) ou até mesmo buscar soluções por meios judiciais. Pois como podemos ver no artigo, existe sim a possibilidade de ocorrer situações de fluxo reverso, porém é obrigação da concessionária realizar estudos e propor alternativas para a conexão do cliente – e não simplesmente recusar o pedido.
6.Referências Bibliográficas
[1] AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica - PRODIST. Módulo 8 - Qualidade da Energia Elétrica. 2021.
[2] ANEEL. Agência Nacional de Energia Elétrica. Resolução Normativa nº 482, de 17 de abril de 2012.
[3] BATISTA, Rodolfo Barreto. Análise dos Impactos Causados pelo Aumento dos Sistemas Fotovoltaicos Conectados à Rede de Distribuição.2023.